Entramos na enevoada sala pra nos depararmos com atores já em ações sob uma luz bastante difusa, fruto de pequenos fresnéis de 300W muito bem utilizados e da fumaça que estabelecia todo o clima inicial do espetáculo. O equipamento não é de forma alguma ocultado, mas muito bem colocado, discreto, nos cantos.
Vemos a mescla de vários equipamentos diferentes, de lâmpadas fluorescentes gelatinadas presas à parede, fresnéis e setlights de jardim, desses de 100 a 150W. Apesar de alguns mal posicionamentos em relação à luz (que acredito terem sido culpa dos atores), todo o espaço é estabelecido por meio de focos específicos, não havendo muito o que se poderia considerar uma geral. A coisa mais próxima disso seria a luz de um retroprojetor que projetava fotos sobre algumas cenas, dando a elas uma leve luz e criando algumas propostas de interação atores/fotografia. Contudo, acredito que, em muitos momentos, o uso dessas projeções era desnecessário, não tendo elas acrescentado tanto ao significado do quadro.
Aliás, digo quadro porque não se pode dizer que fossem estabelecidas cenas propriamente ditas (ao menos, acho que não). Trabalhando o silêncio e a comunicação por meio de placas com textos, os atores montavam quadros encadeados sutilmente por uma "história". Um carteiro, sua mãe, viagens... fantasia! Vemos os sonhos, desejos e delírios dessa figura manifestada num carteiro e sua bicicleta.
Baseado nas obras do fotógrafo chinês Maleonn, o espetáculo cria uma tênue amarração que articula esse universo de fantasia do artista. Aliás, em minha pesquisa, cheguei a um texto do próprio Maleonn que justifica e explica seu trabalho.
Mas sinto que explicações e amarrações não são de fato qualquer preocupação por parte do espetáculo, trata-se de uma experiência sensorial, fundamentalmente visual das obras do fotógrafo. E nesse sentido, vejo êxito principalmente por parte do trabalho de luz que ajuda a criar as atmosferas necessárias a cada situação. O jogo de luzes, sombras e luzes duplas (meu efeito preferido!) no tecido branco são bastante interessantes e criam a atmosfera de mistério de muitos momentos, muitas das figuras que cruzam o caminho delirante do carteiro. A pequena fonte alimentada por bateria na frente da bicicleta do nosso "herói" consagra a luz como a cereja no topo do bolo. Atenção especial também pra luz de vapor de sódio que vem da rua em alguns momentos que, querendo ou não, interfere muitas vezes na cena , ajudando na construção. Apenas na cena final ela poderia ter ficado de fora , deixando só a luz da bicicleta.
Como curiosidade final, a expressão "O problema do carteiro chinês" refere-se, na verdade, a um problema matemático resolvido por um estudioso chamado Euler sobre o encontro dos menores caminhos dentro de dadas circunstâncias, ou grafos como chamam os matemáticos, mas que eu mesmo fui incapaz de entender (minha mãe bem que disse pra eu ficar na engenharia). Quanto a saber se a expressão vem de alguma fábula chinesa anterior ao problema matemático, não consegui descobrir.
"O problema do carteiro chinês"
Direção: Maurício Perussi
Elenco: Francisco Lauridsen (O Carteiro Chinês), Luisa Nóbrega (Perséphone), Marco Biglia (O Homem dos Casais), Sofia Bito (A Mulher dos Casais), Quel Morales (A Mãe do Carteiro)
Sonoplastia: Miguel Caldas
Cenografia e Figurinos: Amanda Antunes
Iluminação: Grissel Piguillem
Duração: 30 minutos
Recomendação: 16 anos
Câmbio, BO.