segunda-feira, 15 de abril de 2024

Trabalhando com multiparâmetros

Trabalhar com aparelhos LEDs, moving lights e multiparâmetros em geral pode ser uma experiência muito bacana e certamente facilita uma série de situações, mas pode causar também um bocado de confusões se os profissionais envolvidos não estiverem preparados. Muitos espaços já apresentam esses aparelhos prontos no console para uso. Em outros, todo o preparo do patch terá que ser feito. De forma geral, deve-se seguir o princípio de que tudo aquilo que fazemos no patch do console é uma representação e deve estar em perfeita sincronia com o que foi montado e configurado no palco. Uma coisa é espelho da outra. Do contrário, problemas sérios de mal funcionamento podem ocorrer.

Apresento a seguir alguns conselhos de como realizar esse preparo para o trabalho com esses aparelhos.

A primeira coisa que devemos fazer de antemão é um inventário de quais aparelhos utilizaremos. Isso envolve saber marca, modelo e quantidade de cada tipo.

Segunda etapa, precisamos entender que modo de operação será utilizado em cada aparelho. É essencial lembrar que um mesmo aparelho pode ser configurado pra diferentes modos de funcionamento e isso afeta tanto as funcionalidades que ele terá quanto a quantidade de endereços DMX que ele ocupará, afetando diretamente o patch. Alguns aparelhos possuem apenas um modo e esse ponto deixa de ser uma preocupação.

Um aparelho e seus diversos modos de operação no sistema Eos

Como exemplo, vejamos o caso da ribalta led com tilt Robin CycFX 8 da marca Robe. O aparelho apresenta 7 modos de funcionamento. Sua contagem de endereços utilizados varia de 14 a 61. O que muda entre os modos é a possibilidade de trabalhar com os "pixels" individuais no aparelho. Quanto maior a granularidade, mais endereços o aparelho ocupará. Mas qual é o modo correto?

Isso é uma decisão que deve ser tomada a partir da relação entre o que a iluminadora precisa que esse aparelho ofereça em funcionalidade e a quantidade de endereços disponíveis no sistema utilizado. Muitas vezes, o artista vai querer utilizar o aparelho com a quantidade máxima de funções, mas isso ocupará tantos endereços que o sistema pode não comportar. Nesse caso, é necessário fazer conceções e estabelecer prioridades para se chegar a um meio termo. Devemos sempre lembrar que os consoles têm um limite máximo de endereços que eles podem manipular.

Para entender os modos de funcionamento, as quantidades de endereços utilizados e quais as funções oferecidas, as duas principais fontes de informação são o manual do aparelho e o próprio patch do console. Se possível, vale a pena fazer um patch de teste prévio para entender onde e como alocar os elementos. Assim, fica até mais fácil saber os endereços que devem ser aplicados a cada aparelho porque o console irá fazer a conta desses endereços.

Existe ainda a possibilidade de que a biblioteca do console não possua o aparelho em questão. Nesse caso, cada console terá um mecanismo distinto para a criação de personalidades ou importação dessas informações de outros shows. No caso da criação, novamente o manual e uma boa pesquisa na internet são as melhores referências.

Existem casos mais simples, geralmente quando se tem poucos aparelhos e efeitos e eles ocupam poucos endereços, de operar os respectivos aparelhos como se fossem dimmers. Nessa caso, cada canal que o console entende como um dimmer, em verdade, controla um parâmetro de algum aparelho. Essa mesma técnica pode ser utilizada para descobrir os parâmetros de determinado aparelho quando não se tem qualquer referência. Nesses casos, é preciso lembrar que aparelhos LED precisam ter seu parâmetro intensidade e alguma cor acionados para que seja veja algo acender.

Funções da Coemar Parlite LED em seu manual

De posse de todas essas informações, podemos realizar a montagem e configuração dos aparelhos com seus endereços e modos de operação. Vale destacar também que, a depender das características do espaço e de sua distribuição de sinal, podem haver variações nos universos de sinal que vão para cada dispositivo e, consequentemente, na forma como os cabos de sinal são passados. Para realizar essa parte, vale fazer um esquema mesmo que rascunhado de endereçamento:



Aqui é apresentado um esquema específico de patch em que cada tipo diferente de aparelho está com seus canais em uma casa de centena diferente. Isso é apenas uma de diversas tipologias de patch possíveis e depende muito da forma de trabalho de cada um, mas é relativamente comum.

Importante: usem terminadores de série!

Imagem da Suteer PropAudio

Há ainda dois detalhes adicionais que valem atenção. Em aparelhos que utilizam lâmpada de descarga, geralmente há uma configuração que define o modo de acionamento da lâmpada, se isso se dará automaticamente quando o aparelho liga e termina o autoteste ou sob comando do console. O outro detalhe é em relação à luz do display de configuração que muitos aparelhos apresentam. Em muitos, é possível configurar para esse display apagar depois de certo tempo de inatividade, o que pode ser útil para não chamar atenção durante o espetáculo.

Feitos os preparos, checam-se os aparelhos. É importante passar todos os parâmetros dos aparelhos individualmente a fim de ter certeza de que tudo está funcionando corretamente. Muitas vezes, pode parecer que um aparelho está funcionando corretamente quando ele na verdade está com o mesmo endereço de outro e ele está simplesmente "imitando", situação que não pode ser percebida se os aparelhos forem chamados em grupo.

É possível também que determinados aparelhos apresentem problemas específicos em certos parâmetros. Por exemplo, pode ser que um aparelho LED de uma bateria esteja com uma das cores mais fraca do que os outros. Ou um moving light que está com problema na correia de um dos movimentos, afetando seu tilt ou pan.

Uma vez resolvidos todos os problemas, começam os preparativos no console para a gravação de cena propriamente dita. Isso envolve a gravação de grupos, palettes e presets dos diversos tipos além do estabelecimento de um home dos aparelhos que seja conveniente. Com isso, logo que começar a gravação de cenas do espetáculo, o programador terá um conjunto de ferramentas já pré-estabelecido. Esse momento ajuda também o programador a ganhar familiaridade com os diferentes dispositivos e o que cada um é capaz de oferecer não só individualmente, mas também no contexto do espaço.

Essas ações não significam que não haverá gravação desses elementos a posteriori, mas cria uma base sólida sobre a qual se começar a trabalhar.

Se, ao longo do dia, os aparelhos de lâmpada de descarga ficarão com lâmpadas acesas, porém ociosos, vale a pena deixá-los com o shutter aberto para que a energia luminosa tenha um pouco mais de vazão para fora do aparelho e não superaqueça o equipamento. 

Vale lembrar também do processo de desligamento dos aparelhos. É importante dar o comando de Lamp Off das lâmpadas para que elas desliguem corretamente. Vale também esperar alguns minutos depois de efetivar o comando para que o sistema de resfriamento do aparelho possa resfriar a lâmpada. Caso o comando pareça não efetivar (as lâmpadas apagarem), deve-se esperar alguns segundos porque o comando às vezes demora esse tempo para ser efetivado (assim como o comando de Lamp On).

terça-feira, 2 de abril de 2024

Trabalho novo. Com que devo me preocupar?

 É comum que, quando começamos a trabalhar com iluminação cênica, fiquemos um tanto intimidados quando surge um projeto. Seja uma criação, uma assistência, uma operação, uma coordenação de equipe, é perfeitamente plausível uma certa ansiedade pelo medo de esquecer algo ou priorizar os elementos errados.

E foi com isso em mente que me procurarm pedindo uma espécie de checklist de coisas interessantes pra se pensar e onde focar energia. E eu prontamente me pus a pensar e, prolixo como sou, pensei uma série de elementos, talvez não tão resumidos assim.

Portanto, o que apresento a seguir são uma série de ideias soltas que foram me ocorrendo. Não seguem uma ordem muito clara e não são de forma alguma regras bem definidas. São apenas observações feitas a partir de minhas experiências que talvez sirvam de ponto de partida pra que o leitor possa fazer suas próprias reflexões e tirar suas conclusões dentro de seu contexto particular.

De forma geral, tento focar em questões técnicas uma vez que essa é a perspectiva com a qual mais me identifico. Questões de criação até surgem, mas muito mais como tendências (lembrando se tratar da minha experiência) ou opções.

- O primeiro passo é entender todo o possível sobre o trabalho em questão. Assumo aqui que já existe algum conhecimento mínimo prévio sobre o trabalho. Trata-se de uma peça teatral? Uma performance? Um balé? Uma apresentação circense? Um show musical?
Dentro disso, é necessário entender as particularidades do projeto. Qual é a estética adotada? Existe um roteiro? Uma tradução? Um resumo? O quanto ele pode sofrer alterações na hora da execução?

- Entenda o espaço e as condições oferecidas. Como é o espaço de apresentação? Qual o rider local? O console? Qual a altura do pé direito? Existem varas móveis onde pendurar? Existe uma equipe com que você possa contar pra montagem, afinação e programação? Um ponto que considero importante é tentar falar com profissionais da casa  (no caso, técnicos). Muitas vezes, a conversa é intermediada por produtores ou o rider vem de um documento geral apresentado num site. O problema disso é que podem ocorrer ruídos de comunicação ou a informação pode estar incompleta. Pode ser que alguns daqueles refletores que constam no rider não existem mais ou a casa tem o refletor, mas está sem lâmpada. Pode ser que o técnico da casa tenha uma solução melhor do que a que você imaginou pra uma questão específica do espetáculo.

- Pode ser que o espetáculo já exista e está indo pra outro lugar. Nesse caso, você enviará um rider do que o espetáculo utiliza. Esse rider não trata somente de contagem de refletores. Coloque toda a informação possível sobre o espetáculo. Quais filtros são utilizados? Quantos cortes de cada tipo de refletor são utilizados? Seus elipsos utilizam gobo? Íris? Em muitos locais, acessórios como íris, porta-gobo e até mesmo porta-gel são considerados opcionais. Já passei por situação de até mesmo as garras dos refletores e as facas dos elipsos serem opcionais (!?). Utiliza refletor no chão? Que estrutura é utilizada de base? E caso essas coisas não existam, é necessário alugá-las. Existe verba pra isso? Portanto, o documento descritivo técnico deve ser o mais detalhado possível de forma que as outras pessoas envolvidas possam melhor te ajudar.

- Durante montagem e afinação, lembre-se que existe uma equipe a sua disposição. Eles aguardam seu comando pra saber onde pendurar aparelhos ou como afiná-los. Tenha consideração por esses técnicos e não os deixe esperando, principalmemte o técnico no alto da escada. Valorize esse tempo. O que nos leva ao nosso próximo ponto...

- Tempo provavelmente será seu maior problema. São muitas as histórias de situações em que tivemos apenas algumas poucas horas pra montar, afinar e programar nosso espetáculo. Por isso, pense em tudo aquilo que pode ser feito previamente para agilizar o processo e te fazer ganhar tempo. Desde deixar as folhas de filtro já separadas até uma prévia programação. Ajuda muito ter uma organização documental nesse momento como uma lista de canais com os efeitos já definidos e ao menos um esboço de algumas cues que você sabe que quer na sua gravação.

Exemplo de lista de canais
Exemplo de lista de canais


- Saiba abrir mão e priorizar. Muitas vezes o tempo realmente não será suficiente ou as condições em geral não serão favoráveis. Nesse momento, é importante saber priorizar. O que é mais importante: os artistas não ficarem no escuro ou aquele facho de luz lindo com que você sonhou que aparece em uma única cena mas que está dando um baita trabalho pra conseguir realizar? É importante ser realista e entender até que ponto vale investir tempo e energia em determinado ponto. Talvez haja outra circunstância pra trabalhar aquele elemento, mas agora talvez você deva focar em oferecer uma luz base porque logo em seguida o elenco terá ensaio e é importante que eles já tenham certos elementos a mão.

- Se não é possível ou muito difícil mudar um refletor, afine o artista. Converse com o artista ou com o diretor se achar que existe tempo e abertura pra isso. O artista ficou fora do foco? Converse! Uma boa conversa resolve diversos problemas de estabelecimento de limites. Se haverá apresentação no dia seguinte, peça alguns minutos pra passar aquela luz antes do ensaio geral com quem precisa. Explique aos envolvidos o que acontece na cena em termos de luz porque as pessoas muitas vezes não enxergam  o todo, afinal, eles estão dentro da cena e não têm sua percepção. E, se possível crie marcas visuais. Pode ser o limite de uma peça de cenário, um "X" de fita isolante no chão ou qualquer coisa parecida, mas pense no artista que está ali em cena e tente facilitar o trabalho dele.

- Fumaça é algo incrível com que se trabalhar, mas ela deve ser pensada. Primeiro, entenda que é algo volátil. A direção e força da fumaça é afetada pelos mais diversos elementos como o ar-condicionado da sala, ventiladores, movimentação dos artistas em cena e até mesmo a lotação da plateia. Portanto, a fumaça do dia da gravação de luz com palco e plateia vazios tem boas chances de não ser a mesma do dia da estreia.
Além disso, utilizar fog ou haze? A fog te dá uma maior densidade, mas dissipa mais rápido. A haze te dá uma densidade menor, mas perdura mais no ar.
Outro ponto a atentar: temos cantores? Temos artistas com problema com fumaça?
Ponto importante: há líquido para o funcionamento das respectivas máquinas? Alguns teatros oferecem a máquina, mas não oferecem o líquido. É necessário providenciar? Há suficiente para todas as apresentações? Há ventilador pra espalhar e/ou direcionar?

- Agora falando especificamente de consoles: além de uma lista de canais que já dará uma ideia do patch, pense se sua operação será em sub ou em cue ou até mesmo algo misto. Independente da opção, pode ser interessante ter ao menos alguns elementos fáceis à mão como "coringa" (geral, luz de plateia, uma bateria de luzes laterais só pra dar alguns exemplos).
Pense nos elementos que podem facilitar sua vida como grupos, palettes e presets (esses últimos, principalmente se o trabalho envolver multiparâmetros).



No caso do sistema Eos, depois que você fez o mapa, é possível pensar na transposição desse mapa para uma Magic Sheet, o que pode ajudar bastante dependendo da sua dinãmica de trabalho e da situação.




De forma alguma essa lista exaure todas as possibilidades, mas acredito dar início a uma reflexão sobre o que pode ser trabalhado. O resto é com vocês.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Atualização da apostila: 20 de março de 2024

Trago uma atualização da apostila "Introdução aos consoles de iluminação ETC Eos". E essa é realmente grande.

Além de trazer uma série de novos elementos técnicos, essa versão traz também uma série de mudanças na organização. Vamos a elas:

- Decidi desvincular a apostila da instituição SPET. Apesar de ter ustilizado o material no curso que ministrei na instituição, não houve qualquer ligação efetiva no seu desenvolvimento. Assim, resolvi torná-la independente tanto do TMSP quanto da SPET já que é um produto de desenvolviemnto pessoal;

- Daqui em diante pretendo colocar a data da última atualização  logo na capa de forma a ficar mais evidente em que versão do documento estamos;

- Não pensando mais em módulos, resolvi amalgamar o conteúdo de todo o curso da ETC em um material só. Assim, é possível encontrar desde materiais mais básicos e fundamentais até alguns conteúdos mais avançados. Essa adição ainda está longe de estar completa, mas acredito que já tenha conteúdo adicional o suficiente pra justificar uma publicação;

- Tenho feito um esforço de tentar desenvolver mais ideias e conceitos além de apresentar mais exemplos pra deixar claras as formas de utilização das funções e comandos;

- Diversos pedaços ainda estão somente no "Copia e Cola" dos outros materiais que eu tinha. Ainda existe um legado muito forte de explicações por fichamento bastante superficiais;

- Pra quem já conhece o material, sugiro ainda assim dar uma olhada porque muita coisa foi revista. A quem não conhece, sugiro não pular os capítulos iniciais. Eles fornecem uma série de explicações úteis. Sugestões construtivas são bem-vindas  nos comentários.

E, como sempre, sugiro estudarem e treinarem. A apostila existe para ser consultada e eu não estarei sempre disponível. Além disso, tem havido uma grande quantidade de alunos, alguns já formados, outros terminando curso, trazendo dúvidas básicas das primeiras aulas. Isso me deixa deveras preocupado.

Espero que esse material os ajude. Até a próxima atualização!

Por fim, o link pra download:
https://drive.google.com/file/d/1o29E6xHVW9rLLsc_f4RMn7RSdKMyOZwT/view?usp=sharing

sábado, 26 de agosto de 2023

Consoles ETC Express

Existe uma quantidade enorme de consoles no mercado. Quem trabalha como autônomo, transitando entre diferentes espaços, percebe isso com frequência. Hoje, a maioria dos espaços alterna principalmente entre consoles da Avolites (Pearl, Titan), MA (grandMA 2 e 3) e ETC (Element, Ion, Gio etc.) com algumas exceções de espaços com consoles que fogem dessas marcas principais.

No entanto, houve um período durante a década de 90 e início dos anos 2000 em que a ETC teve grande entrada no mercado brasileiro e internacional. Isso se deu principalmente com os consoles da linha ETC Express e suas muitas variações (Expression, Insight, Obsession etc.). Assim, é possível encontrar ainda muitos espaços pelo país que possuem esse equipamento funcional.

Console ETC Express

Ressalto que o sistema Express é anterior e completamente diferente do sistema Eos que serve aos novos consoles da ETC. São consoles diferentes com softwares distintos que não se comunicam diretamente embora sejam possíveis conversões e o sistema Express tenha contribuído com muitos padrões que hoje são utilizados pelo Eos.

Alguns detalhes rápidos que são importantes sobre esses consoles:

- O mecanismo para salvamento externo do arquivo do show é feito em disquete. Existem alguns poucos consoles que tiveram esse sistema convertido pra USB permitindo gravar em pendrives (ferramenta essencial a qualquer programador/operador de mesa hoje em dia). No entanto o mais comum é encontrar consoles com entrada pra disquete que, lembro, não são mais fabricados. É possível encontrar na internet tanto disquetes quanto leitores de disquete a venda;

- Tal qual o sistema Eos, existe software offline para treino/edição de arquivos de show no PC. Pode ser encontrado no site da empresa;

- Os consoles da linha Express eram vendidos em diversos tamanhos, havendo variação na quantidade de faders: 24/48, 48/96 (mais comuns) e 12/24, 72/144 e 125/250;

- Embora não tenham sido especificamente projetados para isso, é possível controlar aparelhos multiparâmetros em alguns consoles da linha Express com algum esforço. Alguns modelos como a Obsession e Expression 3 já têm encoders e sistemas um pouco mais preparados pra esse tipo de atividade;

Partindo disso, esse post tem o objetivo de compilar alguns materiais sobre esse sistema que, embora antigo, ainda está presente em nosso cotidiano.

PS: como dado de curiosidade pra quem estiver pesquisando, quando forem no site de determinado fabricante procurar produtos antigos que geralmente estão descontinuados, é comum encontrar o termo "Legacy Products" se referindo a esses equipamentos já fora de linha.

quarta-feira, 29 de março de 2023

As fases de um projeto luminotécnico

            Em 2020, com a pandemia, algumas equipes do TMSP desenvolveram projetos de ações remotas para se manterem ativas e relevantes. Foi nesse período que surgiu a base para o curso que hoje ministro na SPET. Porém, surgiu também uma iniciativa da equipe de Direção de Palco que desenvolveu vídeos didáticos tratando da relação entre seu setor e os outros do teatro. Assim, fui convidado a colaborar com o episódio que trata da iluminação. No vídeo, falo do processo de construção da luz de forma abrangente, passando por suas várias etapas. O texto abaixo é a versão completa do que foi usado no vídeo final que pode ser encontrado em:

https://www.youtube.com/watch?v=qXZdhOG9X8k&list=PLZZv6IKSNjRQjLwK0zyKV6F66yhQVsZYL&index=2&t=25s&ab_channel=TheatroMunicipaldeS%C3%A3oPaulo

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A iluminação cênica, assim como os outros elementos da cena como sonorização, cenografia, figurino e outros, tem o papel fundamental de ajudar a contar uma história. Pra além de seu simples papel de revelar os objetos, a luz de uma cena também carrega uma mensagem e mesmo a sua função de revelação ou não pode carregar um universo inteiro de intenções. É o que chamamos de dramaturgia da luz. Na construção desse projeto de iluminação, é possível reconhecer algumas etapas.

            Num primeiro momento, temos a pré-produção, momento em que é feito o contato com a obra e o iluminador, geralmente convidado, o artista criador. Com ele, discutiremos seu projeto, analisando a viabilidade técnica de suas ideias e o que é necessário à execução. Essas necessidades podem ser de ordem material como objetos que devem ser comprados, locados ou até mesmo fabricados. Dentre os comprados, um elemento comum são os filtros, mais conhecidos como gels ou gelatinas, que podemos dizer que são folhas coloridas de plástico resistente a calor que permitem mudar a cor dos faixos de luz. Por serem materiais perecíveis, devem ser compradas novas folhas ou rolos a cada espetáculo. Entre os equipamentos locados, geralmente temos os aparelhos eletrônicos ou motorizados que têm a vantagem de poderem ter algumas de suas características modificadas cena a cena.

Dentre as necessidades de ordem logística, podemos citar a disponibilidade de tempo e equipe pra situações específicas como manipulação de canhão seguidor e contrarregragem de objetos luminotécnicos ao longo do espetáculo.

            Estabelecidos os meios materiais e logísticos, é hora de começar a execução com a montagem. Os aparelhos, em teatro chamados de refletores, são fixados nos lugares indicados pelo iluminador através do mapa de luz. Também chamado de mapa de iluminação ou planta de iluminação, recebe esse nome por seu funcionamento análogo ao de uma planta arquitetural: define o espaço e os objetos que o preenchem, indicando onde serão alocados os vários aparelhos, estabelecendo distâncias e medidas para que possa ocorrer a montagem.

Uma vez fixados, todos os aparelhos são verificados quanto ao funcionamento e segurança de operação.

            Pendurados os refletores, chega o momento de fazer os devidos ajustes como angulação, abertura e qualidade do faixo de luz num processo conhecido como afinação. Normalmente no alto de grandes escadas, nossos técnicos lidam principalmente com os refletores convencionais, peças grandes e pesadas de metal que geralmente possuem lâmpadas halógenas de alta potência e, por isso mesmo, consomem muita energia e esquentam bastante.

            Tudo pronto no palco, é hora de começar a pensar em como isso tudo é combinado para dar vida à obra e entramos na fase da programação. O iluminador, junto ao programador, começa a compor suas cenas num equipamento comumente conhecido como “mesa de luz” ou console, uma espécie de computador de função especializada essencial para trabalhar de forma precisa e organizada com a grande quantidade de aparelhos que temos de gerenciar. Através desse equipamento, conseguimos regular as várias intensidades dos aparelhos no palco além de outras características em aparelhos motorizados que são controlados remotamente. Durante esse período, nos mudamos para o centro da plateia de forma que o iluminador possa ter uma visão mais próxima daquela que o público terá e é aqui também que as várias deixas dos movimentos de luz são passadas para a direção de palco de forma que esteja pronta para o comando do espetáculo.

Todas as cenas e movimentos devidamente gravados no console, voltamos à nossa base na cabine de luz para a operação. Antes de cada apresentação, verificamos novamente todo o equipamento. Protocolos de abertura da casa são executados sob a regência da direção de palco.

E então... a luz se apaga.

A cortina é aberta.

Cena a cena, o diretor de palco vai chamando as deixas, aqui chamadas de cues. Cada uma tem um momento específico, seja junto a um movimento no palco, seja numa nota musical. O trabalho do operador é simples, em parte. Com o aperto de um botão, transita de uma cena a outra. No entanto, a presença de técnico especializado é fundamental uma vez que tratamos de teatro, obra viva, presencial, mutável de um dia pro outro. Equipamentos podem falhar. Artistas podem errar, acelerar ou ralentar. Uma infinidade de surpresas pode ocorrer no decorrer de um espetáculo que exigem o conhecimento técnico de um operador de luz profissional.

            Durante todo o andamento do projeto, mais intensamente nessa fase quase final, há uma preocupação em guardar todo material referente ao espetáculo e preparar, da melhor forma possível, sua documentação. A ideia com isso é não só ter um material que sirva de referência técnica para possíveis soluções de problemas, mas também possibilitar uma remontagem ideal da obra. Mapas, arquivos, desenhos, são todos atualizados com eventuais entradas ou cortes de materiais e mudanças de posicionamento. Fotografias são tiradas dos objetos para que, além das referências numéricas do console, tenham-se referências visuais. Material físico e virtual é arquivado e organizado de modo que a obra possa existir de forma autônoma, independente dos indivíduos originais que participaram de seu projeto.

            E quando começamos a nos acostumar a essa nova história, quando ela já faz parte de nosso cotidiano, chega o irrefutável momento a que estão sujeitos todos os profissionais das artes do palco. É chegado o fim da temporada e o início da fase de desmontagem. A luz cênica cede lugar à luz de serviço e um exército de técnicos trabalha soltando pregos e parafusos, desmontando painéis, embalando peças frágeis, verificando a acomodação desses itens, muitos dos quais sairão do teatro pra um galpão onde ficarão guardados até que tenham nova utilidade. Desmontamos, empacotamos e guardamos. E assim o palco volta à condição de grande espaço vazio onde futuros artistas poderão novamente criar.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Sobre ensinar iluminação cênica

 No final do ano passado, recebi um convite inusitado: Guilherme Bonfanti, coordenador do curso de iluminação da SP Escola de Teatro e um dos meus primeiros mestres em iluminação quando cheguei em São Paulo, me chamava para dar aulas na escola. Não quaisquer aulas, mas do tópico em que me especializei: consoles de iluminação, mais especificamente da linha ETC Eos.

Já dei aulas antes, mas sempre informalmente e para um público menor e em outra escala. Era um desafio, mas um que queria muito assumir. Descobri que gosto de lecionar, principalmente se for sobre um assunto de que gosto tanto. É verdade, eu me estresso, me canso, me frustro com meus fracassos mas também sinto um prazer enorme quando vejo meus alunos fazendo uso daquilo que tento lhes ensinar. É um orgulho e um privilégio. Aquela máxima de que, quando lecionamos, devemos tentar ser o professor que gostaríamos de ter tido finalmente fez sentido pra mim.

Percebo também essa experiência toda como um exercício importante em minha área. Primeiro, tenho que desconstruir e decupar meu conhecimento técnico de forma a encontrar uma linguagem que não sirva somente ao uso diário de meu ofício, mas que esse conhecimento se torne acessível aos meus alunos, na maior parte das vezes ainda leigos não só em consoles, mas na linguagem técnico-teatral como um todo.

Segundo, o exercício de estudar os tópicos que devo ensinar, o que me faz ter de rever uma série de assuntos e não deixar que esse conhecimento se acomode em mim. Numa perspectiva profissional, isso é bastante interessante porque me obriga a revisitar conceitos, lembrar de ferramentas que não costumo utilizar mas que podem ser úteis em situações específicas e de forma geral continuar a pensar sobre o que sei.

Terceiro, o exercício do diálogo e da troca. Porque sim, o professor não poucas vezes aprende mais do que os alunos durante o processo. Eles me trazem questões sobre as quais nunca pensei. Surgem problemas que nunca enfrentei. E assim, também me aprimoro.

Um ano se passou nessa experiência do professorado. Nem tudo foi fácil, mas os resultados têm se mostrado positivos. Aprendizes que afirmam estar aprendendo quando não conseguiram por outros meios. Aprendizes que dizem que sentem falta de mais aulas minhas. Comentários de como eles estão conseguindo se virar nas atividades que têm surgido dentro e fora da SPET. Saber que participo do processo de formação de técnicos que logo serão meus colegas. E isso é a maior recompensa que posso ter.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Sobre programação e programadores

Ziembinski chegava ao Brasil na década de 40 com ideias e concepções que dariam início ao moderno teatro brasileiro. Para nós, seria tudo uma grande novidade: a figura do diretor no lugar do ensaiador, períodos mais longos de ensaios, espacialidades mais rebuscadas tanto pela cenografia quanto pela iluminação... Ziembinski nos trouxe tendências do que já estava sendo feito na Europa e até mesmo nos Estados Unidos há algum tempo.

A tendência a esse nosso atraso tupiniquim  fica bem exemplificada pela história acima e, embora muito menor, permanece uma realidade ainda nos dias de hoje. A figura do iluminador começa a ser levada realmente a sério em nosso país apenas em meados da década de 80, em grande parte com a ajuda de Jorginho de Carvalho e os nomes que despontavam nesse período como Maneco Quinderé e Aurélio de Simoni. Daí para uma consolidação das diferentes áreas de atuação dentro da iluminação cênica, ainda foi necessário percorrer um longo caminho.

E os equipamentos importados começaram a chegar, assim como as produções musicais da Broadway que passaram a ser importadas com frequência cada vez maior. A tecnologia se desenvolveu e as mesas digitais não só cresceram em popularidade como também em sofisticação. O profissional de outrora agora precisava entender uma linguagem um pouco mais próxima da linguagem informática. Assim, surgia a figura do programador na iluminação: aquele profissional especializado na mesa de controle da luz que geralmente aparecia entre a montagem e a estreia do espetáculo, apenas preparando a mesa para que outros assumam depois. É bem verdade que, nesses moldes, ainda não é tão comum assim essa figura, ao menos aqui no Brasil. Não poucas vezes, o programador será também o assistente do iluminador e operador do espetáculo. Independente disso, a função cresce em importância.

Dado o quadro apresentado e tomando como livre e vaga inspiração as Leis da Biblioteconomia estabelecidas por Ranganathan, proponho três diretrizes a serem consideradas no exercício da função, em ordem de prioridade:

1) O efeito do iluminador deve ser alcançado
No fim do dia, o que importa é o que se vê sobre o palco. Alguns iluminadores têm um conhecimento técnico mais desenvolvido, outros menos. Alguns te pedirão pra executar determinada tarefa de certo jeito. Outros estão te contratando justamente porque não querem ter que pensar nisso. Nesse caso, esse profissional só quer que você execute o efeito final que ele te pediu. O "como" realizar isso fica a critério do programador. Mas nunca perder de vista que o pedido dele é o foco do trabalho.

2) Poupe o tempo do iluminador
Sabemos que, infelizmente, a luz é um dos últimos elementos a entrar em cena. Os atores ensaiam antes, a trilha vai sendo testada. O cenário é então montado para que os atores "reconheçam o espaço". Só então vem a luz. Portanto, o tempo de programação não costuma ser muito amplo e isso se considerarmos que tudo correrá bem, sem problemas com equipamentos defeituosos ou mudanças surpreendentes de encenações e cenário. Nesse sentido, todo tempo que puder ser poupado é válido. Inclusive, muitas vezes ganha-se não apenas em tempo, mas também na paciência do iluminador. Pensemos que, muitas vezes, ele tem que lidar com um diretor estressado que lhe pede uma série de absurdos e outros problemas. Tudo que puder ser feito para atendê-lo o mais rápido possível está valendo. Portanto, aquele atalho que faz com que você tecle 3 vezes no lugar de 5, aquele efeito que você pode criar pra automatizar determinada função ou aquele preparo que você faz na mesa antes de sentar pra começar a gravar podem parecer que vão te render apenas alguns poucos segundos mas, pense que isso ao longo de horas e dias pode sim fazer diferença.

3) A luz não é sua
Como colocado anteriormente, a função do programador muitas vezes é exercida também pelo operador, assistente ou até iluminador. No entanto, isso não é a regra. Muitas vezes você programa o espetáculo e outra pessoa irá operá-lo ou, talvez, manipular o arquivo. Pode haver também o caso em que se faz a programação de um espetáculo a quatro ou mais mãos. Nesse caso, é necessário que as partes envolvidas estejam minimamente inteiradas do que se passa e como certos efeitos foram gerados na mesa. Do contrário, caso haja qualquer problema ou o diretor resolva inventar alguma mudança, o outro não saberá ou demorará mais para resolver. Nesse sentido, é importante ponderar sobre quais mecanismos da mesa utilizar para atingir certos efeitos. "Será que fulano saberá lidar com isso?" é a pergunta que se deve fazer. Com isso, não quero dizer para se descartar qualquer mecanismo mais complexo por medo de que o outro não entenda. Acredito apenas que se deva levar em consideração quando de uma tomada de decisão. Deixar claro o que foi feito, estabelecer comunicação (e documentação!). Por fim, dada a oportunidade, seja generoso e ensine algo novo ao teu colega.

Essas são as 3 diretrizes que acredito serem essenciais para uma boa relação de programação na ordem de prioridade que acredito que devem ser levadas. Porém, ressalto o uso de diretrizes no lugar de regras. Trabalhamos com arte e com projetos. Cada dia será diferente do outro e lidaremos com os mais diversos indivíduos e situações. Utilizando-se de bom senso, claro que as prioridades podem (e devem!) ser revistas e adaptadas às necessidades particulares. No final, o que importa é que todos voltem para casa satisfeitos com o bom trabalho realizado.