Em 2020, com a pandemia, algumas equipes do TMSP desenvolveram projetos de ações remotas para se manterem ativas e relevantes. Foi nesse período que surgiu a base para o curso que hoje ministro na SPET. Porém, surgiu também uma iniciativa da equipe de Direção de Palco que desenvolveu vídeos didáticos tratando da relação entre seu setor e os outros do teatro. Assim, fui convidado a colaborar com o episódio que trata da iluminação. No vídeo, falo do processo de construção da luz de forma abrangente, passando por suas várias etapas. O texto abaixo é a versão completa do que foi usado no vídeo final que pode ser encontrado em:
https://www.youtube.com/watch?v=qXZdhOG9X8k&list=PLZZv6IKSNjRQjLwK0zyKV6F66yhQVsZYL&index=2&t=25s&ab_channel=TheatroMunicipaldeS%C3%A3oPaulo
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A iluminação
cênica, assim como os outros elementos da cena como sonorização, cenografia,
figurino e outros, tem o papel fundamental de ajudar a contar uma história. Pra
além de seu simples papel de revelar os objetos, a luz de uma cena também
carrega uma mensagem e mesmo a sua função de revelação ou não pode carregar um
universo inteiro de intenções. É o que chamamos de dramaturgia da luz. Na
construção desse projeto de iluminação, é possível reconhecer algumas etapas.
Num primeiro
momento, temos a pré-produção, momento em que é feito o contato com a obra e o
iluminador, geralmente convidado, o artista criador. Com ele, discutiremos seu
projeto, analisando a viabilidade técnica de suas ideias e o que é necessário à
execução. Essas necessidades podem ser de ordem material como objetos que devem
ser comprados, locados ou até mesmo fabricados. Dentre os comprados, um
elemento comum são os filtros, mais conhecidos como gels ou gelatinas, que
podemos dizer que são folhas coloridas de plástico resistente a calor que
permitem mudar a cor dos faixos de luz. Por serem materiais perecíveis, devem
ser compradas novas folhas ou rolos a cada espetáculo. Entre os equipamentos
locados, geralmente temos os aparelhos eletrônicos ou motorizados que têm a
vantagem de poderem ter algumas de suas características modificadas cena a
cena.
Dentre as
necessidades de ordem logística, podemos citar a disponibilidade de tempo e
equipe pra situações específicas como manipulação de canhão seguidor e
contrarregragem de objetos luminotécnicos ao longo do espetáculo.
Estabelecidos
os meios materiais e logísticos, é hora de começar a execução com a montagem. Os aparelhos, em teatro
chamados de refletores, são fixados nos lugares indicados pelo iluminador
através do mapa de luz. Também chamado de mapa de iluminação ou planta de
iluminação, recebe esse nome por seu funcionamento análogo ao de uma planta
arquitetural: define o espaço e os objetos que o preenchem, indicando onde
serão alocados os vários aparelhos, estabelecendo distâncias e medidas para que
possa ocorrer a montagem.
Uma vez
fixados, todos os aparelhos são verificados quanto ao funcionamento e segurança
de operação.
Pendurados
os refletores, chega o momento de fazer os devidos ajustes como angulação,
abertura e qualidade do faixo de luz num processo conhecido como afinação. Normalmente no alto de
grandes escadas, nossos técnicos lidam principalmente com os refletores
convencionais, peças grandes e pesadas de metal que geralmente possuem lâmpadas
halógenas de alta potência e, por isso mesmo, consomem muita energia e
esquentam bastante.
Tudo
pronto no palco, é hora de começar a pensar em como isso tudo é combinado para
dar vida à obra e entramos na fase da programação.
O iluminador, junto ao programador, começa a compor suas cenas num equipamento
comumente conhecido como “mesa de luz” ou console, uma espécie de computador de
função especializada essencial para trabalhar de forma precisa e organizada com
a grande quantidade de aparelhos que temos de gerenciar. Através desse
equipamento, conseguimos regular as várias intensidades dos aparelhos no palco
além de outras características em aparelhos motorizados que são controlados
remotamente. Durante esse período, nos mudamos para o centro da plateia de
forma que o iluminador possa ter uma visão mais próxima daquela que o público
terá e é aqui também que as várias deixas dos movimentos de luz são passadas
para a direção de palco de forma que esteja pronta para o comando do
espetáculo.
Todas as cenas
e movimentos devidamente gravados no console, voltamos à nossa base na cabine
de luz para a operação. Antes de
cada apresentação, verificamos novamente todo o equipamento. Protocolos de
abertura da casa são executados sob a regência da direção de palco.
E então... a luz se apaga.
A cortina é aberta.
Cena a cena, o diretor de palco
vai chamando as deixas, aqui chamadas de cues.
Cada uma tem um momento específico, seja junto a um movimento no palco, seja
numa nota musical. O trabalho do operador é simples, em parte. Com o aperto de
um botão, transita de uma cena a outra. No entanto, a presença de técnico
especializado é fundamental uma vez que tratamos de teatro, obra viva,
presencial, mutável de um dia pro outro. Equipamentos podem falhar. Artistas
podem errar, acelerar ou ralentar. Uma infinidade de surpresas pode ocorrer no
decorrer de um espetáculo que exigem o conhecimento técnico de um operador de
luz profissional.
Durante
todo o andamento do projeto, mais intensamente nessa fase quase final, há uma
preocupação em guardar todo material referente ao espetáculo e preparar, da
melhor forma possível, sua documentação.
A ideia com isso é não só ter um material que sirva de referência técnica para
possíveis soluções de problemas, mas também possibilitar uma remontagem ideal
da obra. Mapas, arquivos, desenhos, são todos atualizados com eventuais
entradas ou cortes de materiais e mudanças de posicionamento. Fotografias são
tiradas dos objetos para que, além das referências numéricas do console,
tenham-se referências visuais. Material físico e virtual é arquivado e
organizado de modo que a obra possa existir de forma autônoma, independente dos
indivíduos originais que participaram de seu projeto.
E
quando começamos a nos acostumar a essa nova história, quando ela já faz parte
de nosso cotidiano, chega o irrefutável momento a que estão sujeitos todos os
profissionais das artes do palco. É chegado o fim da temporada e o início da
fase de desmontagem. A luz cênica
cede lugar à luz de serviço e um exército de técnicos trabalha soltando pregos
e parafusos, desmontando painéis, embalando peças frágeis, verificando a
acomodação desses itens, muitos dos quais sairão do teatro pra um galpão onde
ficarão guardados até que tenham nova utilidade. Desmontamos, empacotamos e
guardamos. E assim o palco volta à condição de grande espaço vazio onde futuros
artistas poderão novamente criar.