segunda-feira, 15 de abril de 2024

Trabalhando com multiparâmetros

Trabalhar com aparelhos LEDs, moving lights e multiparâmetros em geral pode ser uma experiência muito bacana e certamente facilita uma série de situações, mas pode causar também um bocado de confusões se os profissionais envolvidos não estiverem preparados. Muitos espaços já apresentam esses aparelhos prontos no console para uso. Em outros, todo o preparo do patch terá que ser feito. De forma geral, deve-se seguir o princípio de que tudo aquilo que fazemos no patch do console é uma representação e deve estar em perfeita sincronia com o que foi montado e configurado no palco. Uma coisa é espelho da outra. Do contrário, problemas sérios de mal funcionamento podem ocorrer.

Apresento a seguir alguns conselhos de como realizar esse preparo para o trabalho com esses aparelhos.

A primeira coisa que devemos fazer de antemão é um inventário de quais aparelhos utilizaremos. Isso envolve saber marca, modelo e quantidade de cada tipo.

Segunda etapa, precisamos entender que modo de operação será utilizado em cada aparelho. É essencial lembrar que um mesmo aparelho pode ser configurado em diferentes modos de funcionamento e isso afeta tanto as funcionalidades que ele terá quanto a quantidade de endereços DMX que ele ocupará, afetando diretamente o patch. Alguns aparelhos possuem apenas um modo e esse ponto deixa de ser uma preocupação.

Um aparelho e seus diversos modos de operação no sistema Eos

Como exemplo, vejamos o caso da ribalta led com tilt Robin CycFX 8 da marca Robe. O aparelho apresenta 7 modos de funcionamento. Sua contagem de endereços utilizados varia de 14 a 61. O que muda entre os modos é a possibilidade de trabalhar com os "pixels" individuais no aparelho. Quanto maior a granularidade, mais endereços o aparelho ocupará. Mas qual é o modo correto?

Isso é uma decisão que deve ser tomada a partir da relação entre o que a iluminadora precisa que esse aparelho ofereça em funcionalidade e a quantidade de endereços disponíveis no sistema utilizado. Muitas vezes, o artista vai querer utilizar o aparelho com a quantidade máxima de funções, mas isso ocupará tantos endereços que o sistema pode não comportar. Nesse caso, é necessário fazer conceções e estabelecer prioridades para se chegar a um meio termo. Devemos sempre lembrar que os consoles têm um limite máximo de endereços que eles podem manipular.

Para entender os modos de funcionamento, as quantidades de endereços utilizados e quais as funções oferecidas, as duas principais fontes de informação são o manual do aparelho e o próprio patch do console. Se possível, vale a pena fazer um patch de teste prévio para entender onde e como alocar os elementos. Assim, fica até mais fácil saber os endereços que devem ser aplicados a cada aparelho porque o console irá fazer a conta desses endereços.

Existe ainda a possibilidade de que a biblioteca do console não possua o aparelho em questão. Nesse caso, cada console terá um mecanismo distinto para a criação de personalidades ou importação dessas informações de outros shows. No caso da criação, novamente o manual e uma boa pesquisa na internet são as melhores referências.

Existem casos mais simples, geralmente quando se tem poucos aparelhos e efeitos e eles ocupam poucos endereços, de operar os respectivos aparelhos como se fossem dimmers. Nessa caso, cada canal que o console entende como um dimmer, em verdade, controla um parâmetro de algum aparelho. Essa mesma técnica pode ser utilizada para descobrir os parâmetros de determinado aparelho quando não se tem qualquer referência. Nesses casos, é preciso lembrar que aparelhos LED precisam ter seu parâmetro intensidade e alguma cor acionados para que se veja algo acender.

Funções da Coemar Parlite LED em seu manual

De posse de todas essas informações, podemos realizar a montagem e configuração dos aparelhos com seus endereços e modos de operação. Vale destacar também que, a depender das características do espaço e de sua distribuição de sinal, podem haver variações nos universos de sinal que vão para cada dispositivo e, consequentemente, na forma como os cabos de sinal são passados. Para realizar essa parte, vale fazer um esquema mesmo que rascunhado de endereçamento:



Aqui é apresentado um esquema específico de patch em que cada tipo diferente de aparelho está com seus canais em uma casa de centena diferente. Isso é apenas uma de diversas tipologias de patch possíveis e depende muito da forma de trabalho de cada um, mas é relativamente comum.

Importante: usem terminadores de série!

Imagem da Suteer PropAudio

Há ainda dois detalhes adicionais que valem atenção. Em aparelhos que utilizam lâmpada de descarga, geralmente há uma configuração que define o modo de acionamento da lâmpada, se isso se dará automaticamente quando o aparelho liga e termina o autoteste ou sob comando do console. O outro detalhe é em relação à luz do display de configuração que muitos aparelhos apresentam. Em muitos, é possível configurar para esse display apagar depois de certo tempo de inatividade, o que pode ser útil para não chamar atenção durante o espetáculo.

Feitos os preparos, checam-se os aparelhos. É importante passar todos os parâmetros dos aparelhos individualmente a fim de ter certeza de que tudo está funcionando corretamente. Muitas vezes, pode parecer que um aparelho está funcionando corretamente quando ele na verdade está com o mesmo endereço de outro e ele está simplesmente "imitando", situação que não pode ser percebida se os aparelhos forem chamados em grupo.

É possível também que determinados aparelhos apresentem problemas específicos em certos parâmetros. Por exemplo, pode ser que um aparelho LED de uma bateria esteja com uma das cores mais fraca do que os outros. Ou um moving light que está com problema na correia de um dos movimentos, afetando seu tilt ou pan.

Uma vez resolvidos todos os problemas, começam os preparativos no console para a gravação de cena propriamente dita. Isso envolve a gravação de grupos, palettes e presets dos diversos tipos além do estabelecimento de um home dos aparelhos que seja conveniente. Com isso, logo que começar a gravação de cenas do espetáculo, o programador terá um conjunto de ferramentas já pré-estabelecido. Esse momento ajuda também o programador a ganhar familiaridade com os diferentes dispositivos e o que cada um é capaz de oferecer não só individualmente, mas também no contexto do espaço.

Essas ações não significam que não haverá gravação desses elementos a posteriori, mas cria uma base sólida sobre a qual se começar a trabalhar.

Se, ao longo do dia, os aparelhos de lâmpada de descarga ficarão com lâmpadas acesas, porém ociosos, vale a pena deixá-los com o shutter aberto para que a energia luminosa tenha um pouco mais de vazão para fora do aparelho e não superaqueça o equipamento. 

Vale lembrar também do processo de desligamento dos aparelhos. É importante dar o comando de Lamp Off das lâmpadas para que elas desliguem corretamente. Vale também esperar alguns minutos depois de efetivar o comando para que o sistema de resfriamento do aparelho possa resfriar a lâmpada. Caso o comando pareça não efetivar (as lâmpadas apagarem), deve-se esperar alguns segundos porque o comando às vezes demora esse tempo para ser efetivado (assim como o comando de Lamp On).

terça-feira, 2 de abril de 2024

Trabalho novo. Com que devo me preocupar?

 É comum que, quando começamos a trabalhar com iluminação cênica, fiquemos um tanto intimidados quando surge um projeto. Seja uma criação, uma assistência, uma operação, uma coordenação de equipe, é perfeitamente plausível uma certa ansiedade pelo medo de esquecer algo ou priorizar os elementos errados.

E foi com isso em mente que me procurarm pedindo uma espécie de checklist de coisas interessantes pra se pensar e onde focar energia. E eu prontamente me pus a pensar e, prolixo como sou, pensei uma série de elementos, talvez não tão resumidos assim.

Portanto, o que apresento a seguir são uma série de ideias soltas que foram me ocorrendo. Não seguem uma ordem muito clara e não são de forma alguma regras bem definidas. São apenas observações feitas a partir de minhas experiências que talvez sirvam de ponto de partida pra que o leitor possa fazer suas próprias reflexões e tirar suas conclusões dentro de seu contexto particular.

De forma geral, tento focar em questões técnicas uma vez que essa é a perspectiva com a qual mais me identifico. Questões de criação até surgem, mas muito mais como tendências (lembrando se tratar da minha experiência) ou opções.

- O primeiro passo é entender todo o possível sobre o trabalho em questão. Assumo aqui que já existe algum conhecimento mínimo prévio sobre o trabalho. Trata-se de uma peça teatral? Uma performance? Um balé? Uma apresentação circense? Um show musical?
Dentro disso, é necessário entender as particularidades do projeto. Qual é a estética adotada? Existe um roteiro? Uma tradução? Um resumo? O quanto ele pode sofrer alterações na hora da execução?

- Entenda o espaço e as condições oferecidas. Como é o espaço de apresentação? Qual o rider local? O console? Qual a altura do pé direito? Existem varas móveis onde pendurar? Existe uma equipe com que você possa contar pra montagem, afinação e programação? Um ponto que considero importante é tentar falar com profissionais da casa  (no caso, técnicos). Muitas vezes, a conversa é intermediada por produtores ou o rider vem de um documento geral apresentado num site. O problema disso é que podem ocorrer ruídos de comunicação ou a informação pode estar incompleta. Pode ser que alguns daqueles refletores que constam no rider não existem mais ou a casa tem o refletor, mas está sem lâmpada. Pode ser que o técnico da casa tenha uma solução melhor do que a que você imaginou pra uma questão específica do espetáculo.

- Pode ser que o espetáculo já exista e está indo pra outro lugar. Nesse caso, você enviará um rider do que o espetáculo utiliza. Esse rider não trata somente de contagem de refletores. Coloque toda a informação possível sobre o espetáculo. Quais filtros são utilizados? Quantos cortes de cada tipo de refletor são utilizados? Seus elipsos utilizam gobo? Íris? Em muitos locais, acessórios como íris, porta-gobo e até mesmo porta-gel são considerados opcionais. Já passei por situação de até mesmo as garras dos refletores e as facas dos elipsos serem opcionais (!?). Utiliza refletor no chão? Que estrutura é utilizada de base? E caso essas coisas não existam, é necessário alugá-las. Existe verba pra isso? Portanto, o documento descritivo técnico deve ser o mais detalhado possível de forma que as outras pessoas envolvidas possam melhor te ajudar.

- Durante montagem e afinação, lembre-se que existe uma equipe a sua disposição. Eles aguardam seu comando pra saber onde pendurar aparelhos ou como afiná-los. Tenha consideração por esses técnicos e não os deixe esperando, principalmemte o técnico no alto da escada. Valorize esse tempo. O que nos leva ao nosso próximo ponto...

- Tempo provavelmente será seu maior problema. São muitas as histórias de situações em que tivemos apenas algumas poucas horas pra montar, afinar e programar nosso espetáculo. Por isso, pense em tudo aquilo que pode ser feito previamente para agilizar o processo e te fazer ganhar tempo. Desde deixar as folhas de filtro já separadas até uma prévia programação. Ajuda muito ter uma organização documental nesse momento como uma lista de canais com os efeitos já definidos e ao menos um esboço de algumas cues que você sabe que quer na sua gravação.

Exemplo de lista de canais
Exemplo de lista de canais


- Saiba abrir mão e priorizar. Muitas vezes o tempo realmente não será suficiente ou as condições em geral não serão favoráveis. Nesse momento, é importante saber priorizar. O que é mais importante: os artistas não ficarem no escuro ou aquele facho de luz lindo com que você sonhou que aparece em uma única cena mas que está dando um baita trabalho pra conseguir realizar? É importante ser realista e entender até que ponto vale investir tempo e energia em determinado ponto. Talvez haja outra circunstância pra trabalhar aquele elemento, mas agora talvez você deva focar em oferecer uma luz base porque logo em seguida o elenco terá ensaio e é importante que eles já tenham certos elementos a mão.

- Se não é possível ou muito difícil mudar um refletor, afine o artista. Converse com o artista ou com o diretor se achar que existe tempo e abertura pra isso. O artista ficou fora do foco? Converse! Uma boa conversa resolve diversos problemas de estabelecimento de limites. Se haverá apresentação no dia seguinte, peça alguns minutos pra passar aquela luz antes do ensaio geral com quem precisa. Explique aos envolvidos o que acontece na cena em termos de luz porque as pessoas muitas vezes não enxergam  o todo, afinal, eles estão dentro da cena e não têm sua percepção. E, se possível crie marcas visuais. Pode ser o limite de uma peça de cenário, um "X" de fita isolante no chão ou qualquer coisa parecida, mas pense no artista que está ali em cena e tente facilitar o trabalho dele.

- Fumaça é algo incrível com que se trabalhar, mas ela deve ser pensada. Primeiro, entenda que é algo volátil. A direção e força da fumaça é afetada pelos mais diversos elementos como o ar-condicionado da sala, ventiladores, movimentação dos artistas em cena e até mesmo a lotação da plateia. Portanto, a fumaça do dia da gravação de luz com palco e plateia vazios tem boas chances de não ser a mesma do dia da estreia.
Além disso, utilizar fog ou haze? A fog te dá uma maior densidade, mas dissipa mais rápido. A haze te dá uma densidade menor, mas perdura mais no ar.
Outro ponto a atentar: temos cantores? Temos artistas com problema com fumaça?
Ponto importante: há líquido para o funcionamento das respectivas máquinas? Alguns teatros oferecem a máquina, mas não oferecem o líquido. É necessário providenciar? Há suficiente para todas as apresentações? Há ventilador pra espalhar e/ou direcionar?

- Agora falando especificamente de consoles: além de uma lista de canais que já dará uma ideia do patch, pense se sua operação será em sub ou em cue ou até mesmo algo misto. Independente da opção, pode ser interessante ter ao menos alguns elementos fáceis à mão como "coringa" (geral, luz de plateia, uma bateria de luzes laterais só pra dar alguns exemplos).
Pense nos elementos que podem facilitar sua vida como grupos, palettes e presets (esses últimos, principalmente se o trabalho envolver multiparâmetros).



No caso do sistema Eos, depois que você fez o mapa, é possível pensar na transposição desse mapa para uma Magic Sheet, o que pode ajudar bastante dependendo da sua dinãmica de trabalho e da situação.




De forma alguma essa lista exaure todas as possibilidades, mas acredito dar início a uma reflexão sobre o que pode ser trabalhado. O resto é com vocês.