terça-feira, 2 de abril de 2024

Trabalho novo. Com que devo me preocupar?

 É comum que, quando começamos a trabalhar com iluminação cênica, fiquemos um tanto intimidados quando surge um projeto. Seja uma criação, uma assistência, uma operação, uma coordenação de equipe, é perfeitamente plausível uma certa ansiedade pelo medo de esquecer algo ou priorizar os elementos errados.

E foi com isso em mente que me procurarm pedindo uma espécie de checklist de coisas interessantes pra se pensar e onde focar energia. E eu prontamente me pus a pensar e, prolixo como sou, pensei uma série de elementos, talvez não tão resumidos assim.

Portanto, o que apresento a seguir são uma série de ideias soltas que foram me ocorrendo. Não seguem uma ordem muito clara e não são de forma alguma regras bem definidas. São apenas observações feitas a partir de minhas experiências que talvez sirvam de ponto de partida pra que o leitor possa fazer suas próprias reflexões e tirar suas conclusões dentro de seu contexto particular.

De forma geral, tento focar em questões técnicas uma vez que essa é a perspectiva com a qual mais me identifico. Questões de criação até surgem, mas muito mais como tendências (lembrando se tratar da minha experiência) ou opções.

- O primeiro passo é entender todo o possível sobre o trabalho em questão. Assumo aqui que já existe algum conhecimento mínimo prévio sobre o trabalho. Trata-se de uma peça teatral? Uma performance? Um balé? Uma apresentação circense? Um show musical?
Dentro disso, é necessário entender as particularidades do projeto. Qual é a estética adotada? Existe um roteiro? Uma tradução? Um resumo? O quanto ele pode sofrer alterações na hora da execução?

- Entenda o espaço e as condições oferecidas. Como é o espaço de apresentação? Qual o rider local? O console? Qual a altura do pé direito? Existem varas móveis onde pendurar? Existe uma equipe com que você possa contar pra montagem, afinação e programação? Um ponto que considero importante é tentar falar com profissionais da casa  (no caso, técnicos). Muitas vezes, a conversa é intermediada por produtores ou o rider vem de um documento geral apresentado num site. O problema disso é que podem ocorrer ruídos de comunicação ou a informação pode estar incompleta. Pode ser que alguns daqueles refletores que constam no rider não existem mais ou a casa tem o refletor, mas está sem lâmpada. Pode ser que o técnico da casa tenha uma solução melhor do que a que você imaginou pra uma questão específica do espetáculo.

- Pode ser que o espetáculo já exista e está indo pra outro lugar. Nesse caso, você enviará um rider do que o espetáculo utiliza. Esse rider não trata somente de contagem de refletores. Coloque toda a informação possível sobre o espetáculo. Quais filtros são utilizados? Quantos cortes de cada tipo de refletor são utilizados? Seus elipsos utilizam gobo? Íris? Em muitos locais, acessórios como íris, porta-gobo e até mesmo porta-gel são considerados opcionais. Já passei por situação de até mesmo as garras dos refletores e as facas dos elipsos serem opcionais (!?). Utiliza refletor no chão? Que estrutura é utilizada de base? E caso essas coisas não existam, é necessário alugá-las. Existe verba pra isso? Portanto, o documento descritivo técnico deve ser o mais detalhado possível de forma que as outras pessoas envolvidas possam melhor te ajudar.

- Durante montagem e afinação, lembre-se que existe uma equipe a sua disposição. Eles aguardam seu comando pra saber onde pendurar aparelhos ou como afiná-los. Tenha consideração por esses técnicos e não os deixe esperando, principalmemte o técnico no alto da escada. Valorize esse tempo. O que nos leva ao nosso próximo ponto...

- Tempo provavelmente será seu maior problema. São muitas as histórias de situações em que tivemos apenas algumas poucas horas pra montar, afinar e programar nosso espetáculo. Por isso, pense em tudo aquilo que pode ser feito previamente para agilizar o processo e te fazer ganhar tempo. Desde deixar as folhas de filtro já separadas até uma prévia programação. Ajuda muito ter uma organização documental nesse momento como uma lista de canais com os efeitos já definidos e ao menos um esboço de algumas cues que você sabe que quer na sua gravação.

Exemplo de lista de canais
Exemplo de lista de canais


- Saiba abrir mão e priorizar. Muitas vezes o tempo realmente não será suficiente ou as condições em geral não serão favoráveis. Nesse momento, é importante saber priorizar. O que é mais importante: os artistas não ficarem no escuro ou aquele facho de luz lindo com que você sonhou que aparece em uma única cena mas que está dando um baita trabalho pra conseguir realizar? É importante ser realista e entender até que ponto vale investir tempo e energia em determinado ponto. Talvez haja outra circunstância pra trabalhar aquele elemento, mas agora talvez você deva focar em oferecer uma luz base porque logo em seguida o elenco terá ensaio e é importante que eles já tenham certos elementos a mão.

- Se não é possível ou muito difícil mudar um refletor, afine o artista. Converse com o artista ou com o diretor se achar que existe tempo e abertura pra isso. O artista ficou fora do foco? Converse! Uma boa conversa resolve diversos problemas de estabelecimento de limites. Se haverá apresentação no dia seguinte, peça alguns minutos pra passar aquela luz antes do ensaio geral com quem precisa. Explique aos envolvidos o que acontece na cena em termos de luz porque as pessoas muitas vezes não enxergam  o todo, afinal, eles estão dentro da cena e não têm sua percepção. E, se possível crie marcas visuais. Pode ser o limite de uma peça de cenário, um "X" de fita isolante no chão ou qualquer coisa parecida, mas pense no artista que está ali em cena e tente facilitar o trabalho dele.

- Fumaça é algo incrível com que se trabalhar, mas ela deve ser pensada. Primeiro, entenda que é algo volátil. A direção e força da fumaça é afetada pelos mais diversos elementos como o ar-condicionado da sala, ventiladores, movimentação dos artistas em cena e até mesmo a lotação da plateia. Portanto, a fumaça do dia da gravação de luz com palco e plateia vazios tem boas chances de não ser a mesma do dia da estreia.
Além disso, utilizar fog ou haze? A fog te dá uma maior densidade, mas dissipa mais rápido. A haze te dá uma densidade menor, mas perdura mais no ar.
Outro ponto a atentar: temos cantores? Temos artistas com problema com fumaça?
Ponto importante: há líquido para o funcionamento das respectivas máquinas? Alguns teatros oferecem a máquina, mas não oferecem o líquido. É necessário providenciar? Há suficiente para todas as apresentações? Há ventilador pra espalhar e/ou direcionar?

- Agora falando especificamente de consoles: além de uma lista de canais que já dará uma ideia do patch, pense se sua operação será em sub ou em cue ou até mesmo algo misto. Independente da opção, pode ser interessante ter ao menos alguns elementos fáceis à mão como "coringa" (geral, luz de plateia, uma bateria de luzes laterais só pra dar alguns exemplos).
Pense nos elementos que podem facilitar sua vida como grupos, palettes e presets (esses últimos, principalmente se o trabalho envolver multiparâmetros).



No caso do sistema Eos, depois que você fez o mapa, é possível pensar na transposição desse mapa para uma Magic Sheet, o que pode ajudar bastante dependendo da sua dinãmica de trabalho e da situação.




De forma alguma essa lista exaure todas as possibilidades, mas acredito dar início a uma reflexão sobre o que pode ser trabalhado. O resto é com vocês.

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