Desde que comecei a trabalhar no meio teatral, tenho me deparado
frequentemente com um problema bastante prático e de ordem burocrática: o
pagamento. Sabemos que, muitas vezes, lidamos com instituições ou espetáculos
que receberam dinheiro por meio de leis de incentivo cultural e, por isso,
exigem a emissão de notas fiscais para que possam efetuar o pagamento. De certa
forma, a Cooperativa Paulista de Teatro se propõe a sanar esse problema,
representando judicialmente seus afiliados por meio de seu CNPJ e permitindo a
emissão de notas além de inscrição em editais.
O problema surge quando nos vemos obrigados a pagar as várias taxas e
descontos a que a CPT nos submete. Pagamos FADs anuais além dos descontos sobre
o valor bruto dos serviços que prestamos como taxas administrativas e diversos
impostos. Como se isso não bastasse, temos de lidar com a burocracia inerente a
uma instituição do porte da CPT, o que acaba atrasando o recebimento do
dinheiro por vezes.
Uma possível solução pra isso seria abrir uma empresa própria. Assim,
teríamos CNPJ, poder de emissão de notas e toda a administração estaria
centralizada em nossas mãos. Mas então nos deparamos com os custos relativos a
essa solução. Afinal, teremos taxas e contador a serem pagos. A menos que o
empresário tenha um grande fluxo de trabalhos de alto valor (definitivamente,
não é o meu caso), os gastos não compensam a abertura de uma empresa comum. O
que poucos sabem é da modalidade de empresário conhecido juridicamente como
Microempreendedor Individual.
Segundo o Portal do Empreendedor:
"Microempreendedor Individual (MEI) é a pessoa que trabalha por
conta própria e que se legaliza como pequeno empresário."
Na prática, isso significa que você abre uma empresa de um só
funcionário (é possível que haja um segundo funcionário, mas isso é outro
tópico mais avançado), capaz de emitir notas sem nenhum tipo de taxação sobre as
mesmas. Claro, há detalhes a serem observados:
- O rendimento bruto da empresa não pode ultrapassar R$60.000,00 anuais
- Embora não haja taxação percentual sobre o valor das notas emitidas, deve ser
paga uma taxa fixa mensal de R$38,90 (no caso de quem for prestador de
serviços) a ser reajustada de acordo com o salário mínimo
- O MEI foi criado para facilitar a formalização de profissionais de áreas
antes não reconhecidas e não abarca todas as profissões, privilegiando as menos
favorecidas
Desse valor de R$38,90, boa parte (em torno de R$33,00) é referente a
INSS, o que é bastante interessante pra nós, autônomos, que muitas vezes
esquecemos de criar um plano de previdência no início de nossas carreiras.
Mas, como disse, nem todas as profissões foram vislumbradas pelo
programa MEI uma vez que ele pretende atender a uma massa de trabalhadores que
tendem a atuar na informalidade (não que este não seja nosso caso, mas...) como
pipoqueiros, sapateiros, vendedores ambulantes etc.
Assim, surgem duas listas a que devemos atentar: a primeira é a lista de
atividades permitidas pelo MEI nacional que se encontra aqui. Outra é a lista de atividades permitidas em
seu município. Sim, pois após seu cadastro na Receita Federal, será necessário
um cadastro também na prefeitura onde você exerce sua função, devendo o
profissional estar em dia com ambos os órgãos. No meu caso, como moro em São
Paulo, sigo a lista encontrada aqui.
Agora falemos de alguns pontos importantes a respeito dessas funções.
Primeiro: quando do cadastro de sua empresa, você pode escolher até 15 funções
diferentes para a mesma. Isso significa que sua empresa não precisa se
restringir a oferecer apenas um tipo de serviço, mas vários. A natureza do
serviço prestado será discriminada quando da emissão da nota fiscal. Portanto,
vale a pena escolher algumas funções periféricas mesmo que elas não pareçam
serem necessárias num primeiro momento.
A parte confusa: os códigos. Existe um tipo de codificação criada pelo
IBGE chamada CNAE (Cadastro Nacional de Atividades
Econômicas). O CNAE se propõe a catalogar as mais diferentes áreas
profissionais e organizá-las por meio de organogramas. A Receita Federal
utiliza esses códigos para a definição de atividades de sua empresa. Mas
atentemos pro fato de que o MEI nos define funções de atuação
enquanto o cadastro na RF nos define áreas de atuação.
Portanto, na lista do MEI, aparecerá Técnico(a) de Sonorização e de
Iluminação enquanto no site da receita aparecerá Atividades de
Sonorização e iluminação. Esse detalhe pode parecer bobo num primeiro
momento, mas você verá como ele terá mais relevância logo adiante.
Até o início do ano passado, não havia a função Técnico(a)
de Sonorização e de Iluminação. Havia a função Disk Jockey (DJ) ou
Video Jockey (VJ). Contudo, ambas as funções pertenciam à mesma área, Atividades
de Sonorização e iluminação. Quando fiz meu cadastro na prefeitura de São
Paulo, eles analisaram as áreas selecionadas. E, pra minha
surpresa, a prefeitura se utiliza de uma nomenclatura e códigos diferentes das
da RF ou do MEI. Assim, realizei meu cadastro como DJ e emitia nota como
Operador de luz (à época do espetáculo Hécuba) pois aparecia
simplesmente Espetáculos Teatrais no código do serviço
prestado da nota.
Devo admitir que, no início, tive receio de ser pego em algum tipo de
malha fina que detectasse minha pequena contravenção. Um ano inteiro se passou.
Foram cerca de nove notas emitidas e uma pequena declaração de rendimentos
feita e não tive qualquer tipo de problema. Não que isso fosse um problema hoje
em dia já que a minha função principal almejada já foi regularizada (Técnico
de...). Então, fui além. Hoje atuo no espetáculo Hamlet, com direção de Ron
Daniels e protagonizado por Thiago Lacerda. Continuo emitindo a mesma nota com
o mesmo código de serviço, mudando apenas a discriminação do serviço. Detalhe:
atores não foram contemplados pelo MEI.
Assim como eu, tenho outros colegas que também se utilizam dessa falha
do sistema e emitem notas pra áreas não contempladas pelo programa.
Com isso, segue aí uma lista de atividades do MEI que apresentam alguma
ligação com áreas artísticas:
- TÉCNICO(A) DE SONORIZAÇÃO E DE ILUMINAÇÃO- DISC JOCKEY (DJ) OU VIDEO JOCKEY (VJ)
- EDITOR(A) DE VÍDEO
- FABRICANTE DE LUMINÁRIAS E OUTROS EQUIPAMENTOS DE ILUMINAÇÃO
- FOTÓGRAFO(A)
- FILMADOR(A)
- INSTRUTOR(A)
DE ARTES CÊNICAS
- INSTRUTOR(A)
DE MÚSICA
- PROMOTOR(A) DE
EVENTOS
- HUMORISTA E
CONTADOR DE HISTÓRIAS
- CANTOR(A)/MÚSICO(A)
INDEPENDENTE
- DUBLADOR(A)
- LOCUTOR(A) DE
MENSAGENS FONADAS E AO VIVO
- MÁGICO(A)
- PIROTÉCNICO(A)
- INSTRUTOR(A) DE ARTE E CULTURA EM GERAL
Claro que essas são apenas algumas que encontrei e que considerei que
pudessem ser úteis. Cada caso será um caso e cabe a você analisar o que serve.
Para se enquadrar no MEI, em tese, é possível fazer o cadastro direto
pelo Portal do Empreendedor. Mas para quem mora em São
Paulo, sugiro uma ida ao SEMEI, órgão da prefeitura criado especialmente para
esclarecer e ajudar na criação de novos MEIs. Lá, as atendentes farão teu
cadastro junto à RF e te encaminharão com os documentos certos à prefeitura. O
processo todo, até poder emitir nota fiscal, demora cerca de duas semanas. Na
primeira, haverá o pedido de CCM (Cadastro de Contribuinte Mobiliário) de
pessoa jurídica (pra quem tem CCM de pessoa física por conta da CPT, haverá a
criação de um novo). Na segunda, será o tempo de espera pra que sua Senha Web
seja liberada pra uso depois de pedido junto à prefeitura. De posse dessa
senha, você acessa o sistema da Nota
Fiscal Paulistana pra emitir notas.
Um ponto importante a lembrar é de verificar o regime de tributação no
primeiro acesso ao sistema. Ele deve ser o Simples Nacional. Do contrário, o
governo lhe cobrará taxas indesejáveis.
Creio que, em resumo, o ponto importante quando da decisão acerca das
atividades é observar áreas que sejam ao menos tangentes ao serviço esperado.
Hoje, conto com essa discrepância entre os sistemas do MEI, da RF e da
prefeitura de São Paulo. Não sei se é assim em todos os municípios. De qualquer
forma, os técnicos de luz e som já têm aí uma boa opção pra resolver seus
problemas de nota.
Câmbio, B.O.
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