sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Sobre programação e programadores

Ziembinski chegava ao Brasil na década de 40 com ideias e concepções que dariam início ao moderno teatro brasileiro. Para nós, seria tudo uma grande novidade: a figura do diretor no lugar do ensaiador, períodos mais longos de ensaios, espacialidades mais rebuscadas tanto pela cenografia quanto pela iluminação... Ziembinski nos trouxe tendências do que já estava sendo feito na Europa e até mesmo nos Estados Unidos há algum tempo.

A tendência a esse nosso atraso tupiniquim  fica bem exemplificada pela história acima e, embora muito menor, permanece uma realidade ainda nos dias de hoje. A figura do iluminador começa a ser levada realmente a sério em nosso país apenas em meados da década de 80, em grande parte com a ajuda de Jorginho de Carvalho e os nomes que despontavam nesse período como Maneco Quinderé e Aurélio de Simoni. Daí para uma consolidação das diferentes áreas de atuação dentro da iluminação cênica, ainda foi necessário percorrer um longo caminho.

E os equipamentos importados começaram a chegar, assim como as produções musicais da Broadway que passaram a ser importadas com frequência cada vez maior. A tecnologia se desenvolveu e as mesas digitais não só cresceram em popularidade como também em sofisticação. O profissional de outrora agora precisava entender uma linguagem um pouco mais próxima da linguagem informática. Assim, surgia a figura do programador na iluminação: aquele profissional especializado na mesa de controle da luz que geralmente aparecia entre a montagem e a estreia do espetáculo, apenas preparando a mesa para que outros assumam depois. É bem verdade que, nesses moldes, ainda não é tão comum assim essa figura, ao menos aqui no Brasil. Não poucas vezes, o programador será também o assistente do iluminador e operador do espetáculo. Independente disso, a função cresce em importância.

Dado o quadro apresentado e tomando como livre e vaga inspiração as Leis da Biblioteconomia estabelecidas por Ranganathan, proponho três diretrizes a serem consideradas no exercício da função, em ordem de prioridade:

1) O efeito do iluminador deve ser alcançado
No fim do dia, o que importa é o que se vê sobre o palco. Alguns iluminadores têm um conhecimento técnico mais desenvolvido, outros menos. Alguns te pedirão pra executar determinada tarefa de certo jeito. Outros estão te contratando justamente porque não querem ter que pensar nisso. Nesse caso, esse profissional só quer que você execute o efeito final que ele te pediu. O "como" realizar isso fica a critério do programador. Mas nunca perder de vista que o pedido dele é o foco do trabalho.

2) Poupe o tempo do iluminador
Sabemos que, infelizmente, a luz é um dos últimos elementos a entrar em cena. Os atores ensaiam antes, a trilha vai sendo testada. O cenário é então montado para que os atores "reconheçam o espaço". Só então vem a luz. Portanto, o tempo de programação não costuma ser muito amplo e isso se considerarmos que tudo correrá bem, sem problemas com equipamentos defeituosos ou mudanças surpreendentes de encenações e cenário. Nesse sentido, todo tempo que puder ser poupado é válido. Inclusive, muitas vezes ganha-se não apenas em tempo, mas também na paciência do iluminador. Pensemos que, muitas vezes, ele tem que lidar com um diretor estressado que lhe pede uma série de absurdos e outros problemas. Tudo que puder ser feito para atendê-lo o mais rápido possível está valendo. Portanto, aquele atalho que faz com que você tecle 3 vezes no lugar de 5, aquele efeito que você pode criar pra automatizar determinada função ou aquele preparo que você faz na mesa antes de sentar pra começar a gravar podem parecer que vão te render apenas alguns poucos segundos mas, pense que isso ao longo de horas e dias pode sim fazer diferença.

3) A luz não é sua
Como colocado anteriormente, a função do programador muitas vezes é exercida também pelo operador, assistente ou até iluminador. No entanto, isso não é a regra. Muitas vezes você programa o espetáculo e outra pessoa irá operá-lo ou, talvez, manipular o arquivo. Pode haver também o caso em que se faz a programação de um espetáculo a quatro ou mais mãos. Nesse caso, é necessário que as partes envolvidas estejam minimamente inteiradas do que se passa e como certos efeitos foram gerados na mesa. Do contrário, caso haja qualquer problema ou o diretor resolva inventar alguma mudança, o outro não saberá ou demorará mais para resolver. Nesse sentido, é importante ponderar sobre quais mecanismos da mesa utilizar para atingir certos efeitos. "Será que fulano saberá lidar com isso?" é a pergunta que se deve fazer. Com isso, não quero dizer para se descartar qualquer mecanismo mais complexo por medo de que o outro não entenda. Acredito apenas que se deva levar em consideração quando de uma tomada de decisão. Deixar claro o que foi feito, estabelecer comunicação (e documentação!). Por fim, dada a oportunidade, seja generoso e ensine algo novo ao teu colega.

Essas são as 3 diretrizes que acredito serem essenciais para uma boa relação de programação na ordem de prioridade que acredito que devem ser levadas. Porém, ressalto o uso de diretrizes no lugar de regras. Trabalhamos com arte e com projetos. Cada dia será diferente do outro e lidaremos com os mais diversos indivíduos e situações. Utilizando-se de bom senso, claro que as prioridades podem (e devem!) ser revistas e adaptadas às necessidades particulares. No final, o que importa é que todos voltem para casa satisfeitos com o bom trabalho realizado.