sábado, 26 de agosto de 2023

Consoles ETC Express

Existe uma quantidade enorme de consoles no mercado. Quem trabalha como autônomo, transitando entre diferentes espaços, percebe isso com frequência. Hoje, a maioria dos espaços alterna principalmente entre consoles da Avolites (Pearl, Titan), MA (grandMA 2 e 3) e ETC (Element, Ion, Gio etc.) com algumas exceções de espaços com consoles que fogem dessas marcas principais.

No entanto, houve um período durante a década de 90 e início dos anos 2000 em que a ETC teve grande entrada no mercado brasileiro e internacional. Isso se deu principalmente com os consoles da linha ETC Express e suas muitas variações (Expression, Insight, Obsession etc.). Assim, é possível encontrar ainda muitos espaços pelo país que possuem esse equipamento funcional.

Console ETC Express

Ressalto que o sistema Express é anterior e completamente diferente do sistema Eos que serve aos novos consoles da ETC. São consoles diferentes com softwares distintos que não se comunicam diretamente embora sejam possíveis conversões e o sistema Express tenha contribuído com muitos padrões que hoje são utilizados pelo Eos.

Alguns detalhes rápidos que são importantes sobre esses consoles:

- O mecanismo para salvamento externo do arquivo do show é feito em disquete. Existem alguns poucos consoles que tiveram esse sistema convertido pra USB permitindo gravar em pendrives (ferramenta essencial a qualquer programador/operador de mesa hoje em dia). No entanto o mais comum é encontrar consoles com entrada pra disquete que, lembro, não são mais fabricados. É possível encontrar na internet tanto disquetes quanto leitores de disquete a venda;

- Tal qual o sistema Eos, existe software offline para treino/edição de arquivos de show no PC. Pode ser encontrado no site da empresa;

- Os consoles da linha Express eram vendidos em diversos tamanhos, havendo variação na quantidade de faders: 24/48, 48/96 (mais comuns) e 12/24, 72/144 e 125/250;

- Embora não tenham sido especificamente projetados para isso, é possível controlar aparelhos multiparâmetros em alguns consoles da linha Express com algum esforço. Alguns modelos como a Obsession e Expression 3 já têm encoders e sistemas um pouco mais preparados pra esse tipo de atividade;

Partindo disso, esse post tem o objetivo de compilar alguns materiais sobre esse sistema que, embora antigo, ainda está presente em nosso cotidiano.

PS: como dado de curiosidade pra quem estiver pesquisando, quando forem no site de determinado fabricante procurar produtos antigos que geralmente estão descontinuados, é comum encontrar o termo "Legacy Products" se referindo a esses equipamentos já fora de linha.

quarta-feira, 29 de março de 2023

As fases de um projeto luminotécnico

            Em 2020, com a pandemia, algumas equipes do TMSP desenvolveram projetos de ações remotas para se manterem ativas e relevantes. Foi nesse período que surgiu a base para o curso que hoje ministro na SPET. Porém, surgiu também uma iniciativa da equipe de Direção de Palco que desenvolveu vídeos didáticos tratando da relação entre seu setor e os outros do teatro. Assim, fui convidado a colaborar com o episódio que trata da iluminação. No vídeo, falo do processo de construção da luz de forma abrangente, passando por suas várias etapas. O texto abaixo é a versão completa do que foi usado no vídeo final que pode ser encontrado em:

https://www.youtube.com/watch?v=qXZdhOG9X8k&list=PLZZv6IKSNjRQjLwK0zyKV6F66yhQVsZYL&index=2&t=25s&ab_channel=TheatroMunicipaldeS%C3%A3oPaulo

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A iluminação cênica, assim como os outros elementos da cena como sonorização, cenografia, figurino e outros, tem o papel fundamental de ajudar a contar uma história. Pra além de seu simples papel de revelar os objetos, a luz de uma cena também carrega uma mensagem e mesmo a sua função de revelação ou não pode carregar um universo inteiro de intenções. É o que chamamos de dramaturgia da luz. Na construção desse projeto de iluminação, é possível reconhecer algumas etapas.

            Num primeiro momento, temos a pré-produção, momento em que é feito o contato com a obra e o iluminador, geralmente convidado, o artista criador. Com ele, discutiremos seu projeto, analisando a viabilidade técnica de suas ideias e o que é necessário à execução. Essas necessidades podem ser de ordem material como objetos que devem ser comprados, locados ou até mesmo fabricados. Dentre os comprados, um elemento comum são os filtros, mais conhecidos como gels ou gelatinas, que podemos dizer que são folhas coloridas de plástico resistente a calor que permitem mudar a cor dos faixos de luz. Por serem materiais perecíveis, devem ser compradas novas folhas ou rolos a cada espetáculo. Entre os equipamentos locados, geralmente temos os aparelhos eletrônicos ou motorizados que têm a vantagem de poderem ter algumas de suas características modificadas cena a cena.

Dentre as necessidades de ordem logística, podemos citar a disponibilidade de tempo e equipe pra situações específicas como manipulação de canhão seguidor e contrarregragem de objetos luminotécnicos ao longo do espetáculo.

            Estabelecidos os meios materiais e logísticos, é hora de começar a execução com a montagem. Os aparelhos, em teatro chamados de refletores, são fixados nos lugares indicados pelo iluminador através do mapa de luz. Também chamado de mapa de iluminação ou planta de iluminação, recebe esse nome por seu funcionamento análogo ao de uma planta arquitetural: define o espaço e os objetos que o preenchem, indicando onde serão alocados os vários aparelhos, estabelecendo distâncias e medidas para que possa ocorrer a montagem.

Uma vez fixados, todos os aparelhos são verificados quanto ao funcionamento e segurança de operação.

            Pendurados os refletores, chega o momento de fazer os devidos ajustes como angulação, abertura e qualidade do faixo de luz num processo conhecido como afinação. Normalmente no alto de grandes escadas, nossos técnicos lidam principalmente com os refletores convencionais, peças grandes e pesadas de metal que geralmente possuem lâmpadas halógenas de alta potência e, por isso mesmo, consomem muita energia e esquentam bastante.

            Tudo pronto no palco, é hora de começar a pensar em como isso tudo é combinado para dar vida à obra e entramos na fase da programação. O iluminador, junto ao programador, começa a compor suas cenas num equipamento comumente conhecido como “mesa de luz” ou console, uma espécie de computador de função especializada essencial para trabalhar de forma precisa e organizada com a grande quantidade de aparelhos que temos de gerenciar. Através desse equipamento, conseguimos regular as várias intensidades dos aparelhos no palco além de outras características em aparelhos motorizados que são controlados remotamente. Durante esse período, nos mudamos para o centro da plateia de forma que o iluminador possa ter uma visão mais próxima daquela que o público terá e é aqui também que as várias deixas dos movimentos de luz são passadas para a direção de palco de forma que esteja pronta para o comando do espetáculo.

Todas as cenas e movimentos devidamente gravados no console, voltamos à nossa base na cabine de luz para a operação. Antes de cada apresentação, verificamos novamente todo o equipamento. Protocolos de abertura da casa são executados sob a regência da direção de palco.

E então... a luz se apaga.

A cortina é aberta.

Cena a cena, o diretor de palco vai chamando as deixas, aqui chamadas de cues. Cada uma tem um momento específico, seja junto a um movimento no palco, seja numa nota musical. O trabalho do operador é simples, em parte. Com o aperto de um botão, transita de uma cena a outra. No entanto, a presença de técnico especializado é fundamental uma vez que tratamos de teatro, obra viva, presencial, mutável de um dia pro outro. Equipamentos podem falhar. Artistas podem errar, acelerar ou ralentar. Uma infinidade de surpresas pode ocorrer no decorrer de um espetáculo que exigem o conhecimento técnico de um operador de luz profissional.

            Durante todo o andamento do projeto, mais intensamente nessa fase quase final, há uma preocupação em guardar todo material referente ao espetáculo e preparar, da melhor forma possível, sua documentação. A ideia com isso é não só ter um material que sirva de referência técnica para possíveis soluções de problemas, mas também possibilitar uma remontagem ideal da obra. Mapas, arquivos, desenhos, são todos atualizados com eventuais entradas ou cortes de materiais e mudanças de posicionamento. Fotografias são tiradas dos objetos para que, além das referências numéricas do console, tenham-se referências visuais. Material físico e virtual é arquivado e organizado de modo que a obra possa existir de forma autônoma, independente dos indivíduos originais que participaram de seu projeto.

            E quando começamos a nos acostumar a essa nova história, quando ela já faz parte de nosso cotidiano, chega o irrefutável momento a que estão sujeitos todos os profissionais das artes do palco. É chegado o fim da temporada e o início da fase de desmontagem. A luz cênica cede lugar à luz de serviço e um exército de técnicos trabalha soltando pregos e parafusos, desmontando painéis, embalando peças frágeis, verificando a acomodação desses itens, muitos dos quais sairão do teatro pra um galpão onde ficarão guardados até que tenham nova utilidade. Desmontamos, empacotamos e guardamos. E assim o palco volta à condição de grande espaço vazio onde futuros artistas poderão novamente criar.